sábado, 31 de dezembro de 2011

Tomou banho no terceiro dia. Penteou os cabelos e deu um jeito na barba. Juntou o rosto ao espelho tentando ver alguma coisa sabe-se lá o que. Talvez um rastro de sorriso, de vontade. Não tinha nada não, nem cheiro. Estava querendo mudar a aparência, o coração, tirar de cima umas vontades antigas, alguns sonhos passados. Tinha perdido aquela vontade adolescente de sofrer toda semana por um amor. Chorou três dias e levantou em duas noites. Trocou as roupas, os modos, os encontros.

Decidiu parar de pensar. Construiu uma casa perto do parque uns dois anos mais tarde, mas não encontrou nenhuma menina que ficasse por mais de uma semana. Tropeçou em alguns degraus e desabou em algumas flores. Vez e outra, via-se um traço de vontade. Tentou largar os cigarros algumas vezes, mas desistiu antes do sol nascer. Esbarrou em alguns romances entre ele e a moça do caixa da padaria. Tentou escrever um livro algumas vezes, mas desistiu antes do primeiro baque. Deixou de acreditar naquela coisa de amor. Deixou de acreditar no que sentia.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Circos e pipocas

Enquanto eu acordo, sinto o sangue subir para a cabeça e levanto, entre bebidas e cigarros, percebo que porra nenhuma mudou. O silêncio da minha casa virou uma explosão na minha cabeça. Eu procuro sorrisos e tento fingir que sei desenhar felicidade. Tento não amarrar uma corda em volta do próprio pescoço. Mastigo o gosto do desespero, penso que talvez não seja tão ruim assim. De alguma maneira, eu tenho você. Espero que o vento faça cócegas no meu rosto, mas ele não faz nada não. Nem perto. Talvez eu precise de façanhas, de armações. Talvez eu queira circos e pipocas coloridas. Eu quero descer e pedir pra voltar. Não precisar me preocupar com existir. Sabe, querida, eu queria provar você uma vez na vida.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Deixo partir

O canto dos meus lábios tremem quando vejo ele passar. Não é tão bonito, nem tão charmoso, mas consegue laçar o Sol e prender entre os dentes. De algum jeito muito inconveniente aquele moço me segura pela cintura e me puxa pelos dedos. Me convida para uma dança, acompanhando uma chuva de explosões. Não é tão gentil quando me aperta contra seu peito, nem tão carinhoso quanto eu esperava, mas ainda assim parece tão agradável. Equilibra-se em um mastro, segura uma taça de vinho levantando os dedos e, quando sorri, consigo ver raios roubados no fundo de sua garganta. Ele me conta histórias.

Tem cabelos escuros, do jeito que menos me atrai. Ele me toca do mesmo jeito que carrega seus mistérios, com as pontas dos dedos estáticas, parece ter medo de mim. Quero ir até ele e dizer que preciso ir embora, mas temo deixá-lo. Eu o amo porque não posso tê-lo. Um dia, vou partir e terei que dizer adeus, mas talvez os fogos de artifício durem até meia noite. Eu o convido para um jantar, mas não preparo nada. Eu o guio através de expectativas e ele confia na minha vontade. Esta não é uma história, nem um final. São só palavras que se perdem.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

follow me

Posso segurar aquelas fotos nas mãos e tentar decifrar as borboletas e os pássaros que sobrevoam nossa casa. Posso reconstruir aquelas cartas cheias de metáforas que não falam sobre nada. Posso tentar te usar como um escudo, descendo pela saída de emergência enquanto provoco outra confusão. Eu tento me concentrar e me manter sóbria por alguns segundos, antes que tudo desabe sobre nós. Eu tento ser uma pessoa melhor. Me viro rapidamente e encaro seus olhos sombrios me pedindo perdão. A temperatura sobe muito rápido quando insistimos em ficar um perto do outro. É difícil respirar quando todos tentam roubar o seu espaço.

Eu não sei para onde eles estão indo. Talvez tentem encontrar o caminho de casa. São perdidos. São como nós. Tentam criar as verdades de um mundo que só existe em suas cabeças. Mentes de labirintos corroídas pelos pais, pela sujeira e pelas drogas. Todos eles saberiam melhor do que ninguém o verdadeiro significado dessas viagens insensatas que fazemos todos os dias. Eu devia te contar isso. Eu devia ter ficado mais tempo na sua casa, deitados no tapete de beiriz, apagando cigarros em latas de cervejas. Está ficando difícil lidar com o mundo real. Está ficando difícil viver.

É como levar um soco. Um baque. Precisamos de um tombo para nos lembrarmos. O mundo espreita na esquina da nossa mente. Acorde e pegue-a. Não a deixe ir embora. Eu escolho viver. Sigo por alguns lotes abandonados até me encontrar parado em frente à sua cama. Concordamos em acordar. Viver pode não ser tão ruim assim. Talvez eu faça poesias e você pode pintar quadros. Largaremos os cigarros também, todas essas coisas ruins. Largaremos as invenções e a dedicatória. Seremos perfeitos em um mundo real.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Eu sempre quis escrever uma carta para você, dessas que contam como foram os últimos dois meses em poucas linhas e fazem perguntas de quem parece que não se conhece. Sem gotas de café derramadas nas beiradas e perfume no envelope. Mas isso não combinaria com a gente e com a nossa mania de fazer as coisas erradas parecem certas o suficiente para durarem uma vida inteira. A minha camisa suja tem que fazer par com o seu tênis velho e a nossa carta tem que ser, particularmente, mal feita.

Fazem alguns anos que eu não te vejo. Me distraio todos os dias em algum lugar entre essa esquina e outra, desde que a gente prometeu não se perder mais. Um dia eu escrevi, no seu caderno de desenhos, um poema que balançava nas linhas, de um jeito tão corrido, com medo do tempo, com medo de você acordar. Te deixei sozinha, com um punhado de promessas esmagadas na mão e um coração apertado querendo me amar. Mas nunca cresci longe de você e, na verdade, eu ando meio perdido. Eu ando meio tropeçando desde que a gente se perdeu.

Talvez essa carta chegue até você, talvez o carteiro não entenda os meus garranchos. Talvez eu não me importe se você vai realmente ler o que eu tenho para te dizer. Eu só preciso tirar isso do peito, sabe, dos armários, eu ando cheio demais.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Andarilhos

Nós damos nomes ao que queremos. Vejo uma borboleta pousar no seu ombro, a sombra cinza de fumaça atrás dos seus olhos combinam com o murmúrio do vento. Vejo vocês tentando ir embora dessa cidade vazia e triste. Temos que ser fortes para não deixarmos para trás a vontade de viver, enquanto músicas se formam em nossos instintos. Pensar nos amigos e na família que deixaremos para trás nessa caminhada é um ato de desistência. É natural da vida se perder e, assim, tentar se encontrar.

O ar puro daqui corta nosso bom gosto, transforma o luxo e a sanidade em algo supérfluo. Vejo nossas crianças colorindo o verão desse inverno rigoroso e procuro por uma saída dessa mentalidade desconexa. Mochilas e sapatos, andando pelas beiradas deste mundo que nunca acaba, apreciando a maldade dos extremistas e calculadores frios. A revolução chama o seu nome em assobios.

Vejo pipas em paralelepípedo e asas abertas em direção à liberdade. Eu te chamo para dividir comigo a paisagem do assombro de um jovem que descobriu a vida, dando marteladas na realidade e pedindo por segundos de sossego. Vejo filmes passando pelos meus olhos e sento para apreciar as mentiras que me contam. Alcançar algo está começando a me perturbar, então eu olho em volta e penso que é só escolher. Mas se eu voltar de novo para os seus braços, então você pode começar a me entender.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Relatos de não se sabe quem

Eu me apaixonei uma vez, mas ela tinha o coração de vidro. Tudo parece tão frágil, as árvores aqui cantam canções tristes. "Cuidado para não se cortar", ela me avisou, mas eu não ouvi. Andava confusa, colorindo sorrisos de azul. Uma dúzia de cigarros perdidos pela bolsa e, nas mãos, alguns trocados de ontem. Me procurou algumas vezes esse ano, poucas ficou. Eu não sei onde ela está agora, mas quem sabe? Ainda sinto aqueles olhos verdes me pedindo para não sofrer a sua dor, acompanhando uma música antiga de vitrola empoeirada, largando as mãos em cima dos joelhos magros. Desapareceu antes que eu percebesse que a deixei entrar.

No meu sonho haviam pássaros, um mar azul e uma pequena varanda. E então havia você. Como eu nunca havia visto. Existia vida em seu rosto. Eu entrei nos seus braços e me cobri com o seu pijama, pedi para você me contar um segredo. "Eles não são imortais", foi o que você me disse. Perdia os sentidos ao seu lado, eu tentava dizer algo e queria que você me tranquilizasse, mas eu sentia seu medo também.

Eu estava bem sexta-feira, quando você me ligou. Talvez um pouco mais sensível que o normal, mas isso não era nada demais. Você me dizia que havia tido uma noite péssima. Não havia nada a se fazer, não havia razões para chorar. Eu te escutava reclamando do telefone. Eu devia saber que era a última vez que eu ouviria a sua voz. Eu realmente devia saber. Está ficando difícil tomar decisões, está ficando difícil viver.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Gostar de fechar os olhos

"Seu sorriso é o que preciso e quanto ao resto, eu juro tanto faz; sua ausência me condena à dor"

Te encontrei meio caindo pelas beiradas, meio me desfazendo do amor, querendo pular de algum desfiladeiro, querendo tomar chuva. Te encontrei e nem acreditava em encontrar alguém. É que você tem um pouco daquilo, sabe? Eu deslizei entre mares e tentações e vírgulas parágrafos e no fim de tudo me vi em você. Me queimo nas suas tatuagens, nos seus cabelos, na sua voz de fim de noite e o mais chocante é perceber que eu gosto de me queimar. Eu gosto de me arriscar e me arrisco até onde o sol existir. E eu gosto de fechar os olhos.

E eu ando isso tudo e dou voltas e voltas se for pra te ver. Eu largo os cigarros as bebidas as menininhas largo meu jeito babaca e te dou um anel. Eu não largo de você, não largo do seu cheiro que eu nunca senti, nem da sua pele. Nem largo da imaginação de ver o sol nascer e conseguir te sentir respirando do meu lado. Enquanto eu não abrir os olhos eu não preciso saber que você não tá ali. Então eu gosto de fechar os olhos e rezo para não ter que acordar.

Aponto uma estrela no céu e dá uma vontade de subir nela pra ver se você consegue me enxergar. Eu te amo eu te amo eu te amo, sussurro baixinho. Eu te amo e seria bom se você pudesse me escutar. Mas não demora pra eu te ter, não. Invento regras e invento você em mim. E pra qualquer noite mais difícil de superar é só gostar de fechar os olhos.