quinta-feira, 17 de junho de 2010

Breve carta de despedida

Hoje eu acordei com um gosto amargo na boca. Vontade de ir embora, esquecer essa vida mesquinha e conseguir voar mais alto.

Mãe, não tem saído tudo como planejado, parece que cada passo que eu dou é o mais errado e nós não conseguimos nem mais sorrir. Desculpa por fugir daquele jeito, eu realmente não entendo como é sentir essas coisas... desculpa por te decepcionar tanto e ainda isso de, você sabe, amar uma garota; mas ela me ama também mãe, é melhor saber disso. Todas as coisas ruins que eu disse para você não são verdades, eu não te odeio, eu nunca te odiei, eu realmente amo você. Talvez você esteja tão certa quanto errada, talvez eu não devesse gritar tanto, mas tantos "talvezes" não sustentam o meu quarto. Está tudo desmoronando, tudo caindo sobre as nossas cabeças e eu, como sempre, não consigo te escutar. Se você deitasse na minha cama hoje a noite, como você fazia quando eu era pequena e não te dava tantos problemas, você poderia passar a mão no meu cabelo, contando histórias que são verdades, que realmente aconteceram, diferente do papai, até que eu pegasse no sono. Se você me perguntasse pelo menos uma vez, com a voz baixa, porque eu amo tanto, talvez eu te contasse como a conheci. Mas não. Hoje você não vai chegar mais cedo, não vai sentar comigo lá fora, naquele frio insuportável de que eu gosto tanto, olhando pras poucas estrelas que restaram no céu, colocando os pés na água fria e estremeçendo. Eu aprendi a gostar de me machucar. (Não brigue tanto com o papai, ele ama você, poderiam ser melhores amigos).

Eu olho pra você e vejo o mesmo cara barbudo, com um lenço na cabeça e all star no pé, em cima daquela moto velha, a mais bonita da cidade. Ainda lembro do jeito que você me fez forte, andando comigo naquelas ruas geladas, me carregando nas costas sem reclamar dos meus ataques de riso, choro ou qualquer outra coisa. Nós andavámos tanto que depois nem conseguiamos respirar, parece que eu cruzei a Europa toda com você me carregando. Agora, mais do que nunca, acho que você ainda me sustenta, me levando pra escutar minhas bandas favoritas, mesmo odiando meu rock sujo e reclamando do barulho ensurdecedor. Você nunca reclamou quando eu chegava em casa às 5 da manhã, sujando o chão todo e acordando a minha irmã, eu nunca parei de viver e eu devo tudo a você. Eu nunca falei isso muitas vezes, mas você é o melhor pai do mundo. Eu não me importo com aqueles caras, com seus ternos perfeitos, falando sobre o G4 e ganhando dinheiro como se fosse água, nenhum deles aprendeu a ser pai igual a você. Quando eu te contei sobre Jéssica você ficou abalado, mas sabe, você nunca deixou de me apoiar e quando eu fugi de casa eu achei que você estava furioso, mas você disse "É... eu também já fiz isso... Como foi lá? Você conheceu ela?" e você nunca, nunca mesmo falou "Chega, eu não te aguento mais", igual muitos fizeram comigo.


Você nunca gostou realmente de brincar com aquelas bonecas, não é? Você só as pedia para papai porque se pareciam com você. Eu lembro de quando eu tinha uns 7 anos e você tinha 5 e eu não queria ir pra escola, porque o frio era quase insuportável e você veio e me abraçou, como quem quer dizer "boa sorte, mas eu vou ficar em casa no quentinho". Eu não sei como deve ser dificil passar pelo o que você passou, acho que nem você deve entender muito bem porque você era só um bebê. Tu já nasceu mais forte do que eu, minha irmã mais nova já me espelhou pra entender o mundo e eu sempre vi em você um amor incondicional, desses que a gente não acha em mais ninguém. Aquelas pessoas de branco não podem te machucar, ninguém no mundo pode te machucar, você tem amor. Você tem a mamãe e papai também e eles te amam muito Diana, muito mesmo. Nunca deixe que ninguém dê as costas pra você, eles não entendem o que é coragem. Se você cair, levanta, se precisar eu vou estar do seu lado como eu sempre estive. As coisas podem ficar um pouco difíceis se eu for embora, mas eu vou estar olhando para você, igual você olha pra mim enquanto eu durmo. Eu sei, eu estava acordada.

Eu tenho errado bastante, não é? Mas não pense nem por um segundo que eu não sinto sua falta. Eu nunca tive uma "melhor amiga" de verdade. Nunca tive ninguém pra me escutar falando sobre coisas que não fazem sentido nenhum e muito menos ninguém pra ouvir as minhas lágrimas. Até eu encontrar você. Você sempre esteve lá, mesmo quando eu não estava. Sempre me esperou, até quando eu não podia ir, você sempre foi a minha melhor amiga do mundo, mesmo quando eu não fui a sua. Em cada palavra que eu escrevo tem uma parte de você agora, em cada frase que eu penso tem o seu sorriso e isso faz com que você se encontre em cada texto que eu faço e assim eu não vou deixar você se perder quando eu não estiver por perto. Você gosta que eu te chame de Bê? Eu sempre tive vergonha de te chamar assim...

Um comentário:

  1. Acredito que todos, assim que assume, ou até mesmo escondendo no armário, mas não aguentando mais faz uma carta dessa, seja o titulo que for, mas faz.

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