sábado, 28 de dezembro de 2013

não somos nada do que queríamos ser

estamos todos loucos e dissimulados
esperando pela mais nova decepção
parecemos todos fajutos e desajustados
mas é tudo só mais uma encenação

na verdade somos só uns figurões
desmiolados que procuram o amor
em xícaras de chá e horóscopos
o amor é tão suspeito quanto nós

não somos nada demais além
de nós, culpados por não ter refúgio
ou casa alguma para trocar
as roupas sujas de traições

estamos todos muito novos e cansados
esperando pela mais nova atração
parecemos todos bêbados e engraçados
mas é tudo só mais uma encenação

e também acreditamos nas músicas
e nos grandes filmes, cafés, colchões
mulheres, todas aquelas que um dia
nós fizeram beber do drink do inferno

não temos nada além de corações
surrados pelo estrago da diversão
que é se perder por querer
ou morrer sem perceber
eu também já não me importo

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Poliana

Poliana não bebia. Não usava drogas, não fodia. Poliana morava com os pais, às vezes com uma prima. Poliana não gostava de gente, espumantes, taxistas, feira aos domingos, motociclistas. Eu não a conhecia, mas sentia um gigante desprezo por Poliana. Ela cheirava a todas as coisas que eu odeio. Ela representava todos os meus medos mais controversos, cirrose, abortos, overdose. Sociopatas, vômitos, taxas, almoços, retrovisores. Poliana me infestava de desconfortos, aumentava minha desconfiança, me colocava ameaçado. Eu já não era ninguém quando Poliana existia ao meu lado.

Eu não gostava de Poliana e Poliana não me amava. Frequentava a Igreja aos domingos e orava toda Ação de Graças. Eu cuspia o chiclete na rua e deixava as meias sujas para fora do cesto de lixo. Poliana me encaminhava aos melhores centros de reabilitação, mas eu nunca estive sóbrio perto de Poliana. Ela me sugava toda a seriedade, roubava de mim toda a castidade. Eu nunca reclamava. Poliana me acha insensato, porco, consumista, estabanado. Eu queria matar Poliana da mesma forma que ela me matava todos os dias. Poliana me impedia de toda minha pureza, toda a minha coesão. Poliana fez de mim um corrupto, encheu meus olhos de sujeira e podridão.

Acabei me casando com Poliana. Poliana agora dá uns tapas em um baseado e fode como ninguém. Trocou a saia longa por cinta liga e o terço só reza às quintas. Poliana enrubesce ao gozar, mas ainda pede perdão por toda a vossa cocaína. Pai, não nos deixeis cair em tentação. Poliana adora charutos, cervejas, camas, apostas, dinheiro. Poliana sou eu, mas eu também já não sei quem sou. Quem agora ora por Poliana? Ela é o meu medo mais controverso. Poliana me infesta de baixarias, apreende meu estrago, ameaça minha calma. Eu já não sei quem é Poliana quando eu existo ao seu lado.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ela e as outras

Eu sei porque
Eu gosto tanto
Daquele menino
Que gosta daquela
E daquela outra

Eu sei porque
Ele as faz
Com as suas mãos

Eu sei porque
Eu gosto tanto
De gostar
Daquela
E daquela outra

Eu sei porque
Ele as tem
Com sua língua

Eu, porque sei
E digo que gosto
E desmancho
Com aquela
E aquela outra

Eu sei porque
Eu já não sei
O que nós somos

Sei porque eu
Não sou
O que você sonhou

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Anna

Eu conheci Anna em 1997 e ainda não sei por que tive que deixá-la. Naquele ano meu irmão mais novo acabara de completar oito anos e eu terminava de assistir ao documentário "A Invenção da Psicanálise" e me apaixonava por Pink Floyd. Anna era dois anos mais velha do que eu e usava moletons listrados, muitas vezes coloridos, dispersos entre verdes e pretos, amarelos e laranjas. O cabelo desgrenhado, muito mal escondido atrás de um chapéu preto, marcado pela poeira de seu quarto bagunçado, infestado de mesquinharias, vídeo cassetes, óculos escuros, pornografias. Eu gostava de Anna pela sua boca perfeita, os olhos muito bem posicionados, secretos, decorados pelo seu nariz alinhado, arrebitado, concreto. Anna não era muito bem vestida, digo, arrumada, padronizada, mas chamava atenção pela tinta de baixo das unhas, as calças rasgadas, seus sapatos manchados. Quando se sentia chique, usava um blazer por cima de uma camiseta dos Doors. Eu a chamava de Mia Wallace e ela me perguntava se eu estava carregando alguma droga ilícita dentro do meu paletó. Ela me chamava de Marlon Brando e eu ficava puto de nunca poder ser o personagem. Ela me incentivava a escrever, minhas obras escassas, meus pensamentos fúnebres, toda aquela porcaria sobre sindicatos, papéis amassados, jornalistas, revolução. Anna adorava. Eu não.

Eu conheci Anna em um baile de formandos, lá pelos meus dezoito anos, cuecas sujas no cesto, má caligrafia, muitos alucinógenos. Naquela época nada era tão bonito quanto o sexo, cama esparramada, Anna na minha cama. Ela me contava de sua vida de forma cálida, tocando as pontas dos dedos, suando em minhas mãos, apalpando meu íntimo, me forçando, me chutando, me sangrando por todas as partes de meu corpo, aquelas pequenas emoções, tão frágeis. Eu não me desvencilhava, não fugia, só a beijava e jurava que seria eterno aquele nosso amor, nossa liberdade, nossos corpos magros direcionados para um grande romance, um filme de Hollywood, todas aquelas câmeras nos filmando. Soube alguns anos mais tarde que não era nada, não dava nem um best-seller, não havia set de filmagens, nosso caso não valia nem alguns trocados. Nos envolvemos com decepções amorosas, o tipo de prostituta que não devemos mencionar. Anna nunca disse se me amou. Nunca perguntei a Anna se ela me amava. Acho que tudo era pequeno demais para nossas almas, pequeno demais para todos aquelas sonhos, a minha infância ainda se espelhava nos meus olhos, o lápis preto em volta de suas pálpebras me mostrava uma vontade sanguinária de conhecer todo o resto do mundo e seu álcool, sua podridão, sexo, diferentes casas, diferentes homens, eu não era suficiente para Anna. Anna não era suficiente para mim.

Eu conheci Anna há 6 anos, antes de toda aquela porcaria, 11 de setembro, poluição, casas com alarme. Eu quase não bebia, mas fumava demais. Anna gostava de dançar com desconhecidos em bares à beira de estradas mal faladas, ela se equilibrava entre garrafas e mãos bobas, sorrisos estrábicos e olhares débeis, todo aquele suor bêbado, mesas de sinuca esparramadas pelo cômodo. Eu cuidava da madrugada de Anna e a mostrava o caminho de volta para sua cama. Eu nunca a amei, mas me doei inteiro para a sua felicidade, seu maldito conforto. E agora estou sem nada. Não corto o cabelo há meses, larguei a faculdade no último período, comecei a escrever três livros no último ano. Tudo que eu vejo é Anna em meus sonhos, meus olhos, minha cama amarrotada, a barba da semana passada, o café amargo. Trouxe algumas garotas para casa, mas todas elas me sufocaram, me queimaram, acenderam em mim um ódio profundo, um remorso. Anna, não sei por que você teve que ir embora.

Eu me despedi de Anna em 2001 e ainda não sei por que tive que deixá-la. Naquele ano meu irmão mais novo ganhava seu primeiro Game Boy e eu já havia desistido de ser alguém na vida e ia ao cinema três vezes por semana. Anna havia pintado o cabelo de vermelho e agora terminava o curso de Francês e largava lentamente seu vício por cigarros de palha. Naquele ano, Anna começou a pintar quadros e arrumou um namorado. Não era eu. Anna gostava de mim pela minha cicatriz acima da sobrancelha, o cabelo mal cuidado, os óculos de grau um pouco tortos, minha cara de tarado. Eu não gostava de calças largas e me sentia mal com camisetas amarrotadas. Ela dizia que eu chamava atenção pelo modo como eu falava, gesticulava, sempre jogava o lixo na rua, não tinha escrúpulos, era um mal educado. Anna me chamava de querido e eu fritava ovos com bacon enquanto ela dançava pela cozinha, me dizia que eu era seu melhor amante, seu confidente, seu melhor sexo, perfume, nunca fomos nada sério. Eu a incentivei a partir, atuar em outras peças que não as minhas, ser melhor atriz do que na minha cama, ela me chamou de amor, deu um beijo, me abraçou e então, partiu.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nossa história não dá nem um best seller, amor

O telefone toca e são quinze para quatro de uma manhã de sábado. Não tem ninguém em casa, ninguém nos portões. Ninguém ama às quatro. Todos estão bebendo ou transando. O resto chora em suas camas. Eu estava me procurando por aí e me encontrei em seus braços e sem querer me perdi no seu descaso. Acabei alimentando meu fracasso com toda a esperança de suas tentativas fracassadas. Você me pede pra eu te encontrar na porta da sua casa. Estou ocupado e bêbado, bobo, estirado nesse sofá, mas me levanto e vou me crucificar junto à você. O meio do caminho é sempre mais sombrio que o começo. Sinto o cadarço do tênis incomodar. Sinto as mãos frias tentando esquentar. Percebo que já não lembro o caminho para a sua casa. Ou já não quero lembrar.

Estamos tímidos, você me pede para sentar. Então eu junto as mãos e as enfio entre as pernas. O frio nos dilacera, mas não nos importamos. Estamos acostumados à dor. Estamos anestesiados. Não sabemos nem ao menos qual o cheiro do ralo, não sentimos os cortes do coração. Somos insensíveis, meu bem, já não nos respeitamos. Não somos mais quem éramos há alguns anos. Me quer dia sim e dia não. Te amo hora sim, minuto seguinte não. Somos covardes. Mas continuamos achando bonito isso de se machucar. Talvez seja hora de cicatrizar, amor. Quase tenho coragem de te pedir por favor.

Você não sabe bem por que me chamou e eu não sei dizer por que escutei. Vai ver você se sentiu sozinha e eu quis te proteger. Talvez foi insuportável para você pensar em me perder. Talvez eu estivesse atrás de mais uma razão para beber. São infinitas decisões. São infinitas possibilidades e todas elas sempre acabam em um lugar onde eu não posso te ter. Olho para o lado e tento ver os seus olhos. Já não me lembro de quase nada sobre nós dois. Já não sei te tocar como eu te tocava. Não somos mais nada. Somos espaços perdidos de algo que já foi, já passou, não volta mais.

Então deixa pra lá, tá muito chato te amar.
Tá muito chato viver pra te contar,
Que um dia a gente aprende a esquecer.

E a nossa história não é mais história para se vender. 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Versinho particular

Então tá
Se for pra ir
Que vá

Tanto faz
Se o amor já não é
O que tinha que ser

Deixa mentir
Se for pro sol raiar
Deixa felicidade abrir

Não me abrace, amor
Se for pra partir
Não me queira só
Como quem tem dó
Do que está para vir

Então tá
Se for pra ser
Pode ficar

Tanto faz
Se o amor consegue
Cicatrizar

Deixa eu sorrir
Mesmo que seja
Só brincadeira

Então vamos ser crianças...

terça-feira, 30 de abril de 2013

Reflexões sobre o fim que não era fim


Não tente ser específica comigo. Nós não somos tão singulares assim, não sabemos nos comportar bem. Nunca soubemos. Nossa única certeza era que estaríamos juntas. Em um dia, em algumas horas, em vários anos. Nunca nos imaginamos distantes. Incrível como o amor te deixa burro. Te tira a razão e te deixa estúpido como uma porta. Sempre achei que estávamos a salvo. Nada é concreto quando se trata de nós, não é, meu bem? O tempo passou mais rápido do que eu esperava. Quase não consigo mais te ver. Tudo bem, essa coisa de "o amor acabou" parece mórbida demais, silenciosa demais e eu não quero ter que lidar com isso. Não quero sentir o coração doer, amor, então vai logo. Não se demora demais em mim, não se apegue mais ainda ao meu colchão, não se esqueça de deixar as minhas roupas e lembre-se de trocar o perfume. Lembre-se de me esquecer. 

SADNESS. 


sábado, 26 de janeiro de 2013

O dia em que acabou

Balanço os pés pertinho dos seus. Você chegou 45 minutos atrasado e já vai embora. Veio me dizer que não sabe, não entende, não consegue. Chega cheio de promessas e saí sem esperança nenhuma. E agora, sentada aqui do seu lado, te olhando meio que não querendo olhar, não consigo saber qual era o problema. E se havia mesmo um problema. Ou se os problemas eram tantos que pareciam normais. Mas eu não queria te deixar ir. Mesmo não sabendo, não entendendo, não conseguindo. Ficar era essencial.

Mas você foi mesmo assim. Não deixou nem uma lágrima, nem uma desculpa aceitável. Sussurrou aquelas coisas clichês por uma semana, como se me preparasse. Como se a linha tivesse acabado logo depois de ter começado. Acho que no fundo, eu sabia. Estava meio que me aceitando, resolvendo as papeladas, esperando pelo momento em que você sairia por aquela porta e nunca mais voltaria. Culpa de quem? Culpe o mundo e sua instabilidade. Culpe a necessidade das pessoas de ir embora. Culpe quem tem que ficar e nunca fica.

Você foi e suas convicções ficaram presas em mim. Todos os seus planos, suas medidas, suas manias exatas. Você ficou preso e o que restou de mim, você levou. Agora eu sou você. Sou completamente você e você é completamente eu. Você me levou de mim. Tudo parece um traço de um passado que eu soquei as paredes para esquecer. Tudo é mais distante que o normal, não faz mais tanto alvoroço na minha mente.

( ...)

Dia desses sentei na cama no meio da noite e esperei ficar triste. Não consigo mais. Eu esqueci você, esqueci suas idas, esqueci suas voltas, seus sorrisos, suas meias palavras. Não consigo nem ao menos derrubar uma lágrima. Aí eu me sinto triste por não estar triste por você. Mas sei que um dia isso vai passar também. Quis chorar muito esse dia. Minha vontade era me jogar no sofá com um pote de leite condensado e chorar, chorar, chorar. Chorar por não chorar mais por você. Ora, "lágrimas não são argumentos", eu sei, eu sei.

Troquei o café de manhã por um maço de cigarros. Experimentei todas as bebidas que me ofereceram. As suas cicatrizes ficaram, mas o meu sorriso ainda é meu. Te encontrei no cinema semana passada, namorada nova, camiseta nova, barba antiga. Você me perguntou do trabalho, eu te perguntei sobre a vida. Nada estimulante, na verdade. A menina que te acompanhava te deu um beijo, te protegeu de mim. Eu olhei pra ela e quis te proteger de mim. De todo o sentimento que você explodiu em mim, aquele ano atrás. De todas as estrelas que você criou no meu olhar. Mas você agora é um cara, só um cara, que vai ao cinema com a namorada e compra dois sacos de pipoca e um refri. Eu continuo sendo quem eu era antes de você. Quarenta e cinco minutos atrasado e dois segundos de amor para me servir.