terça-feira, 14 de agosto de 2012

Tudo que eu toco

Da última vez que eu te vi você ainda usava aquelas botas espancadas e brincos nas orelhas. Não deixava nem que um malandro como eu te fizesse de boba. Eu te pegava às 7 e te devolvia pro amanhecer todos os dias. Você era suave, suave. Eu te fazia sorrir mascando chicletes de menta e bebendo garrafinhas coloridas,  tampando seus ouvidos dos problemas que um dia ainda iam te alcançar. Você não era uma boa menina, mas ainda era a mais boazinha que eu já tive. Não sei se aquilo era amor ou era vontade de viajar com alguém mais easy do que eu, mas era gostoso e fazia a ponta dos dedos congelarem. Mas tudo que eu toco, meu bem, estraga. Você nunca soube se ia ou se ficava. Eu te mostrava o que eu conhecia do mundo e você me oferecia beijos com gosto de cafés açucarados, feitos para menininhas igual a você. A gente se afastava todos os dias, mas eu insisti em tropeçar em você algumas outras vezes, por querer, sem querer, ninguém se importava. Vez e outra você partia sem olhar para trás e eu sabia que mesmo assim, mesmo precisando tanto de mim, você ainda conseguia ir embora. Talvez o seu sorriso não fosse mais tão brilhante e o ar não fosse tão mais puro. Tudo isso era recorrente da força que você fazia para não tombar toda vez que eu ia. Ou que eu voltava.

Aquele dia aconteceu da gente não se encontrar mais. Nem se esbarrar nessas esquinas perdidas do centro da cidade, nem no seu cinema favorito, na minha tabacaria. A gente chegou a dar tchau, sim. Tchau, até uma outra vez, no ano novo, quem sabe? Ninguém sabia. De vez em quando eu ainda te procuro pelo retrovisor. Procuro algum traço seu em rostos de meninas bonitinhas, com sorrisos rebeldes. Até gravo umas músicas chatinhas para você escutar num headphone e essas coisas maneiras que existem por aí. Guardo tudo na memória pra se um dia, menina, eu te encontrar. Eu era o cara da jaqueta de couro com botas enlameadas que sujava a soleira da porta da sua casa. Eu sabia que por baixo daquela barba mal feita de sábados a tarde havia uma cara amassada de quem bebeu demais ou chorou demais. Você sempre entendeu que apesar das minhas manias e manias havia alguém ali, debaixo de toda aquela carapuça, usando óculos escuros havia, sim, talvez, quem sabe? um coração. Mas durava pouco. Eu sumia uns dois ou três dias, mas sempre chegava na hora certa. Achei que o importante era saber que eu sempre voltava. Pedia perdão e mentia pra ficar só mais um pouquinho com você. Eu nunca soube porque você sempre me quis de volta. Nunca perguntei também. Achei melhor deixar assim, sem perguntar coisas difíceis de responder. Ou duras de ouvir.

Olha, preciso te falar umas coisas. Love kills. Mas é óbvio que você sabe disso. Você não era uma dessas garotas que usam blusas de seda com cordões e esperam que eu as leve para casa. Você tinha, de fato, blusas de seda, que amarrava na cintura e, vez ou outra, deixava as cinzas quentes de cigarro baterem um furo ou dois. Não sei porque te deixei ir. Quando deito a cabeça no travesseiro e penso nisso é que eu não durmo. Talvez eu tenha apagado depois de alguns tapas e quando acordei você já havia ido. Talvez eu tivesse tanta certeza da sua volta que não me importei em calçar os sapatos. Mas eu queria que você tivesse ficado. Que me obrigasse a prometer ser um bom garoto, me fizesse dispensar os coturnos e a mania de seguir aqueles punks remanescentes, gritasse até eu largar os cigarros e passasse a lavar mais as mãos. De que adianta, agora, fechar os olhos e desejar? Eu te perdi em uma dessas esquinas perdidas do centro da cidade, no seu cinema favorito, na minha tabacaria. A gente chegou a dar tchau, sim. Tchau.