domingo, 18 de setembro de 2011

Carta

Quis tanto escrever para você.

(...)

Eu sei que faz muito tempo, que talvez você não se lembre da minha voz, mas eu tenho certeza que a minha letra ainda faz par com o seu sussurro. E que por mais que você vá chorar, ainda quer ler uma carta minha. Qualquer intenção de relembrar os anos que passaram me desmonta e eu não quero mais desmontar sozinha. Preciso de você para superar o que eu nunca superei. O que eu nunca vou superar. O que nós nunca vamos superar. Eu te amo. Existe maneira mais auto-destrutiva do que começar uma carta assim? Sinto falta de você. Da sua leitura entrelinhas do meu olhar. Do seu fica-bem-amor de manhã cedinho. De qualquer carinho e qualquer carinho a mais. Na verdade, falta sentir outra coisa que não seja saudade. Não sei porque quero escrever para você que já tem carro, já largou os cigarros e nem usa mais as mesmas roupas. Nem sei porque ainda fico nessa compulsão de te amar sendo que ainda nem troquei as meias. Eu parei em você e seu coração parou no meu. E você escondeu ele bem quentinho dentro daquela caixinha de madeira que eu te dei. E jogou fora as chaves. Tá ouvindo esse barulho? Eu quero saber de tudo, desde como-vai-você até ao vamos-dormir.

(...)

Mas eu não entendia nada daquilo. Nem do coração, nem de mãos suadas e copos jogados. Eu queria mais uma dose. Eu queria mais um segundo antes do cigarro apagar. Eu queria um pouquinho mais de você e um pouquinho mais de você sempre entornava. E minha mão encostava na sua meio sem querer meio por querer. Mas eu não entendia nada daquilo.

(...)

Lembra dos copos que eu pegava no armário mais alto da sua casa, no mesmo lugar onde eu escondi aquele cinzeiro horroroso que você tentou colocar na sala de estar? Eu sinto sua falta. Sinto saudades do seu jeito irônico de resmungar de qualquer coisa que aconteça. Das chatisses na hora de dormir. Sinto falta de todos seus defeitos exagerados e das qualidades quase extintas. Você era completamente im(perfeito) para mim. Até seu jeito espaçoso de deitar na cama me fazia te amar. O amor é uma coisa estúpida. E como eu te amava...

(...)

E é um saco que todos os segundos passem rápido demais para tão pouco tempo. E que tão pouco tempo tenha deixado meu coração tão grande assim. Eu não queria ir embora, queria deitar aí mais um pouquinho. E eu queria que aquele frio congelasse e que tudo ficasse bonito para sempre. Eu queria sua timidez dormindo comigo de novo. Eu tentei te jogar para cima só pra te ver voltando. E você voltou. E mesmo te amando tanto, te querendo tanto e me arrepiando tanto, eu não entendia nada daquilo. E não entender nada daquilo virou um problema.

(...)

Não que o amor seja tão simples e tão complexo assim. É que ver você acordando do meu lado me faz perder a razão. E trocar os caminhos me leva até a sua casa. E meu sono só passa quando eu deito do seu lado e você não me deixa dormir. Tudo passa. A vida é só mais uma parte do que o vento vai levar. Não que eu seja covarde, não que eu não tenha vontade de amar de novo. É que meu coração tá tão machucado, tá tão quentinho guardado, que não me deixa ver como é. E eu não quero ver como é. Eu não quero te amar tanto assim. Amar dói. Mas deixar partir dói ainda mais.

(...)

E a solução de tudo sumiu no meio dos travesseiros daquela cama que era nossa. Por causa do medo de amar. Mas tudo bem, tudo bem... Eu não vou voltar atrás e não vou te ver chorar de novo. Eu só queria dizer que eu sei que faz muito tempo e que talvez você nem se lembre mais da minha voz, mas minhas mãos ainda cabem nas suas e meu cobertor não tá esquentando direito. E por mais que eu vá chorar, ainda te devo umas noites. E uns beijos. E um amor. Eu te amo. Existe maneira mais auto-destrutiva do que terminar uma carta assim?

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