quarta-feira, 9 de maio de 2012

O nosso desencontro


Entenda. Estou deitado no sofá esquadrinhando o sol matinal que entra pela janela da sala, com uma guimba de cigarro pendendo entres os dedos, enquanto você prepara alguma coisa na cozinha. Antes que eu possa sentir o cheiro de café quente e panquecas, você me surpreende com pernas e calcinha e minha blusa verde favorita. "Desgraçada", é o que eu penso, enquanto você se aproxima sorrindo. Tento desviar o olhar, fazer um ar descontraído, fingir que nada disso importa para mim. Tento me convencer que não me lembro que ontem tudo acabou em cervejas jogadas pela casa e uma cama barulhenta às três da manhã.  Tudo bem. Estou sendo crítico demais comigo mesmo. Já faz quatro meses que você largou as chaves em cima do balcão e disse que me amava, que me queria, só não podia ficar mais, só não suportava mais. Não agora, não amanhã. Talvez daqui alguns anos.

Você foi embora e eu não quero ser o que te impede de partir outros corações. Ou quero. Mas o meu tá quebrado demais para que eu possa consertar. Eu morro lentamente, enquanto você passa com essas pernas perfeitas e olhares ansiosos, me pedindo para deixar para lá, deixar acontecer, me permitir sofrer. Me permitir sofrer por você. Não. Não posso desandar agora, esquecer dos joelhos ralados, das promessas que fiz enquanto me embebedava em um bar qualquer, com pessoas quaisquer, com luzes baixas, com consciências pesadas. Não importa. O que eu não sei é como chegamos até aqui. Você tinha tantas outras coisas para fazer. Arrumar as malas, ver aquele filme francês no cinema do centro, terminar o curso de Alemão. E ainda precisava ir para a cama comigo. Eu só tinha alguns dias ensolarados e uns cigarros importados. Tento te imaginar agora: deve estar em casa, pendurada no telefone a melhor amiga que arranjou ontem naquele bar de Ipanema, com muitas cervejas e alguns trocados em cima da mesa. Deve estar achando um saco a possibilidade de eu me re-apaixonar por você. Re-apaixonar é um saco, eu te entendo. É como comer chocolate meio amargo: é gostoso, mas sempre sobra meia barra.

Você era um sussurro, um plano mal feito, umas brincadeiras de sexta-feira. Você era meu descanso no tédio do trabalho às quatro da tarde, quando até as melhores piadas perdem a graça. "Você virou a piada sem graça", eu penso. Você deixou de ser a menina bonitinha das pernas bonitas e virou um nada. Um grande e feio nada. Eu espero que o tempo passe e te leve daqui. Leve consigo todo o seu perfume, a sua presença, até o seu cabelo bagunçado nos domingos de manhãs frias. Eu não quero que deixe nada. Nem um centímetro da sua perfeição escandalosa que fazia os caras dos apartamentos vizinhos saírem de casa mais cedo só pra te ver indo embora de mim. Decidi que nas sextas solitárias e nos bares cansados, eu não me embebedaria mais de você. Eu me embebedaria do que sobrou - caixas de chocolates e sorrisos bonitinhos - até que tudo acabasse. Até que todas as suas lembranças morressem. Pode dar certo, eu disse baixinho para mim mim. Pode dar, vai dar.

Eu te olho nos olhos, te peço para sentar comigo no sofá da sala. Foram cinco ou seis baques, uns cigarros picados e algumas mãos bobas em pernas distraídas por baixo da mesa. Não foi nada demais, você sabe. Eu poderia te entregar as chaves novas, te oferecer um café, um suco, sei lá, te oferecer para ficar, mas eu não quero. Você pergunta se eu deixei de te amar. Fico estático, feito idiota. Nunca parei para pensar nisso.  Não sei se é amor o que eu sinto agora ou se é alívio por conseguir te sentir de perto sem querer te beijar. Aí eu lembro das vezes que nós saímos pela cidade cantando aquelas músicas que você odeia. E lembro do seu cheiro doce misturado ao meu cigarro. E dos beijos de manhãs. Não é nada disso.

Eu te amo, sim. Esse foi o nosso desencontro.